Coisas de NOVEMBRO

   A MULHER DAS CASTANHAS







Envolta na neblina matinal vinda do mar, já a mulher das castanhas apregoa : - Quentinhas !
Está ali, naquela esquina do tempo, que dobro desde sempre, desta vez a uma hora bem diferente num dia também diferente.     De olhos postos nas nuvens de fumo que se elevam dos tachos e rodopiam no ar, ela, a mulher de cabelo apanhado num carrapito desgrenhado, mexe e remexe com as mãos ásperas , dedos enegrecidos e unhas roídas, as castanhas quentes nos assadores assentes na velha carripana, tão velha , que meia empenada tomba para um dos lados, mais parecendo cair que manter-se de pé.    E lá vai apregoando, enquanto me perco nas nuvens de fumo revoltas e densas como aquele nevoeiro em que adormeci de cansaço nos braços do cansaço da noite.    Por entre as nuvens dou comigo a caminhar sobre os vincos e as rugas da cidade, os vestígios que sobram dos lençois esquecidos, desfeitos num qualquer quarto vazio onde a respiração lhes deixou o aroma da noite. Abraço as nuvens com as ambas as mãos até as sentir coladas à pele.    Respiro por entre cada um dos seus poros e os seus olhos de água transpiram um prazer húmido com as olheiras que me sorriem até ao amanhecer
. A mulher das castanhas, a fazedora de nuvens que sobem cada vez mais alto na madrugada , esquecida de mim , lá vai ateando as brasas das cinzas esfriadas na noite passada. -Quentinhas...
Desço degrau a degrau os socalcos das nuvens que a permanência do tempo esfarrapou e envolta nas nuvens densas de fumo que se erguem ao meu lado carregadas de aroma a castanhas novas acabadas de estalar ao calor das brasas, desço a escadaria para voltar a pisar os vincos e as rugas da calçada da cidade . Longe, o som da voz da fazedora de nuvens, continua: -Quentinhas.

(De mim...)